Combate à precariedade
na administração pública

Deu-se um passo, falta<br>o caminho

O PCP va­lo­riza o «passo dado» no com­bate à pre­ca­ri­e­dade na ad­mi­nis­tração pú­blica, mas su­blinha que ainda há muito a «re­a­lizar» e que «nin­guém» deve ficar de «fora» deste pro­cesso.

Ne­nhum tra­ba­lhador com vín­culo pre­cário deve ficar de fora deste pro­cesso de jus­tiça so­cial

LUSA

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Este foi um dos temas in­tro­du­zidos no de­bate quin­zenal com o pri­meiro-mi­nistro pelo Se­cre­tário-geral do PCP, que de há muito em re­lação a esta ma­téria de­fende a ne­ces­si­dade de con­si­derar o «com­bate à pre­ca­ri­e­dade como uma po­lí­tica de Es­tado», a exemplo do que se fez re­la­ti­va­mente à ex­plo­ração da mão-de-obra in­fantil.

A jus­ti­ficar esta nova abor­dagem à questão por parte do líder co­mu­nista está o re­la­tório já con­cluído pelo Go­verno que iden­ti­fica as si­tu­a­ções de pre­ca­ri­e­dade na ad­mi­nis­tração pú­blica, nú­mero que se es­tima abranger cerca de 100 mil tra­ba­lha­dores.

Sem deixar de va­lo­rizar a evo­lução en­tre­tanto ocor­rida, Je­ró­nimo de Sousa en­fa­tizou a ne­ces­si­dade de «pros­se­guir o tra­balho e as­se­gurar que os ob­jec­tivos são atin­gidos», rei­te­rando si­mul­ta­ne­a­mente o em­penho do PCP para que «ne­nhum tra­ba­lhador com vín­culo pre­cário na ad­mi­nis­tração pú­blica fique de fora» deste pro­cesso de vin­cu­lação, seja na ad­mi­nis­tração cen­tral, na ad­mi­nis­tração local ou no sector pú­blico em­pre­sa­rial.

«Con­ti­nu­a­remos a bater-nos para que todos os tra­ba­lha­dores que de­sem­pe­nham fun­ções per­ma­nente te­nham um con­trato de tra­balho efec­tivo e um vín­culo ade­quado ao Es­tado», in­sistiu o di­ri­gente má­ximo do PCP, que de­sa­fiou o pri­meiro-mi­nistro a es­cla­recer qual a dis­po­ni­bi­li­dade do Exe­cu­tivo para, en­vol­vendo as es­tru­turas da ad­mi­nis­tração e os sin­di­catos, «iden­ti­ficar com exac­tidão em cada Mi­nis­tério e ser­viço as si­tu­a­ções de pre­ca­ri­e­dade e a in­te­gração nos qua­dros dos res­pec­tivos tra­ba­lha­dores. «Deu-se um passo, falta fazer o ca­minho. É pre­ciso con­ti­nuar», instou Je­ró­nimo de Sousa.

Dig­ni­dade e jus­tiça

Re­co­nhe­cendo que a pre­ca­ri­e­dade é «uma questão cen­tral no mer­cado de tra­balho», o pri­meiro-mi­nistro com­par­ti­lhou da ideia de que o País, «de uma vez por todas, tem de as­sumir, como as­sumiu com o com­bate ao tra­balho in­fantil, que o nosso fu­turo de­sen­vol­vi­mento, a pro­du­ti­vi­dade das em­presas, a com­pe­ti­ti­vi­dade da eco­nomia, não pode as­sentar nem em baixos sa­lá­rios, nem na des­truição de di­reitos, nem na pre­ca­ri­zação la­boral».

Pelo con­trário, tem de «apostar na va­lo­ri­zação dos re­cursos», acres­centou, de­fen­dendo que não há va­lo­ri­zação dos re­cursos hu­manos as­sente na pre­ca­ri­e­dade».

«Não é pos­sível in­vestir na for­mação, não é pos­sível mo­tivar quem tra­balha com base na pre­ca­ri­e­dade», re­co­nheceu, ma­ni­fes­tando-se con­victo de que a pre­ca­ri­e­dade não é só uma «questão de dig­ni­dade do tra­ba­lhador, mas também uma «questão es­sen­cial para a pro­du­ti­vi­dade das em­presas». «E também do Es­tado», acres­centou, porque o «Es­tado tem o dever de dar o exemplo, quer o Es­tado cen­tral quer as au­tar­quias lo­cais».

E por isso con­si­derou es­sen­cial a exis­tência da «co­missão bi­par­tida em cada um dos mi­nis­té­rios, com par­ti­ci­pação sin­dical», para «iden­ti­ficar em cada caso con­creto onde é que há uma ne­ces­si­dade per­ma­nente» – e neste caso «qual­quer que seja a si­tu­ação pre­cária atí­pica tem de dar lugar a um con­trato efec­tivo que va­lo­rize o exer­cício de fun­ções pú­blicas», as­se­verou –, «quais são aquelas ne­ces­si­dades que não são per­ma­nentes ou quais são aquelas ne­ces­si­dades que por na­tu­reza são exer­cidas através de outra forma que não seja o vín­culo per­ma­nente ao Es­tado».

An­tónio Costa in­formou ainda que o pro­pó­sito do Go­verno é «criar a opor­tu­ni­dade de cada um dos tra­ba­lha­dores, com a in­ter­venção das es­tru­turas sin­di­cais, poder co­locar a sua si­tu­ação, ve­ri­ficar a sua si­tu­ação, e caso a caso ir to­mando a de­cisão». E re­petiu que o «ob­jec­tivo é muito claro: eli­minar as si­tu­a­ções de pre­ca­ri­e­dade pondo o Es­tado a dar o exemplo na­quilo que tem de passar a ser uma regra efec­tiva no con­junto do nosso mer­cado de tra­balho».

Às pa­la­vras do pri­meiro-mi­nistro sobre este tema res­pondeu ainda Je­ró­nimo de Sousa in­sis­tindo numa ideia que, para o PCP, é nu­clear: «Que nin­guém fique de fora neste pro­cesso de jus­tiça so­cial que é pre­ciso re­a­lizar».

No início da sua in­ter­venção, re­a­gindo ao ruído e apartes oriundos das ban­cadas do PSD e do CDS-PP e di­ri­gidos ao chefe do Go­verno, o líder co­mu­nista, que disse estar no he­mi­ciclo «há muitos anos», atri­buiu-lhes um «grande sig­ni­fi­cado»: é a «ba­ru­lheira» dos que «estão de­so­lados, der­ro­tados, vin­ga­tivos». «Mas não é assim que vão lá...», co­mentou Je­ró­nimo de Sousa.

Si­nis­tra­li­dade la­boral

Le­vados ao co­nhe­ci­mento da câ­mara por Je­ró­nimo de Sousa foram também al­gumas ques­tões ex­pressas em re­cente Au­dição Pú­blica sobre de­fi­ci­ência e si­nis­tra­li­dade la­boral pro­mo­vida pelo PCP. São pre­o­cu­pa­ções que do seu ponto de vista têm fun­da­mento e as­sumem um ca­rácter de «ele­mentar jus­tiça», como seja a re­la­tiva à «ne­ces­si­dade de ga­rantir aos si­nis­trados do tra­balho apoio no âm­bito da re­a­bi­li­tação fí­sica, no seu acom­pa­nha­mento pes­soal e so­cial, e também no re­gresso ao posto de tra­balho». Mas igual­mente, pros­se­guiu, no as­se­gurar de uma «pro­tecção so­cial que res­ponda à re­a­li­dade vi­vida por estes tra­ba­lha­dores e que, em ne­nhuma si­tu­ação, o si­nis­trado fique pri­vado de ren­di­mento». O líder co­mu­nista sa­li­entou ainda a im­por­tância de «con­cre­tizar me­didas efec­tivas de pre­venção de aci­dentes de tra­balho e do­enças pro­fis­si­o­nais».

Daí ter in­qui­rido sobre a dis­po­ni­bi­li­dade do Go­verno para res­ponder a estas pre­o­cu­pa­ções co­lo­cadas por or­ga­ni­za­ções re­pre­sen­ta­tivas das pes­soas com de­fi­ci­ência, es­tru­turas sin­di­cais e pela As­so­ci­ação Na­ci­onal dos De­fi­ci­entes Si­nis­trados no Tra­balho, ci­da­dãos que, lem­brou, são «sempre mar­gi­na­li­zados, tendo em conta o nível da com­pen­sação, da re­forma, sempre se­cun­da­ri­zados e mal­tra­tados».

An­tónio Costa, na res­posta, re­fe­rindo-se à cri­ação da pres­tação única da de­fi­ci­ência, cujo de­bate pú­blico está a ser con­cluído, con­si­derou ser esse um «passo im­por­tante» que visa in­te­grar numa «única pres­tação aquilo que deve ser uma pres­tação idên­tica, uni­versal, para todas as pes­soas com de­fi­ci­ência».

Uma se­gunda com­po­nente tem a ver com as «ne­ces­si­dades es­pe­cí­ficas» das pes­soas por­ta­doras de de­fi­ci­ência, «seja em ma­téria de edu­cação seja em ma­téria de in­serção no mer­cado de tra­balho», ex­plicou, ha­vendo ainda uma ter­ceira, «di­fe­ren­ciada em função da con­dição de re­cursos».

Outra di­mensão que con­si­derou da «maior im­por­tância» e que em sua opi­nião tem de exigir a «mo­bi­li­zação do con­junto da so­ci­e­dade» tem a ver com a lei das aces­si­bi­li­dades. E a este pro­pó­sito su­bli­nhou que se tem de mo­bi­lizar as au­tar­quias, as em­presas, o Es­tado, para «as­se­gurar a plena aces­si­bi­li­dade».

Fa­lando da es­tra­tégia na­ci­onal de com­bate à si­nis­tra­li­dade, o pri­meiro-mi­nistro adi­antou apenas que há «ob­jec­tivos es­pe­cí­ficos» em ma­téria de re­dução da si­nis­tra­li­dade até 2020 (re­dução em 30 por cento), es­tando ainda pre­vistas «me­didas es­pe­cí­ficas de rein­serção no posto de tra­balho ou no mer­cado de tra­balho de pes­soas ví­timas da si­nis­tra­li­dade».

Jus­tiça para as car­reiras longas

Outro dos temas sus­ci­tado no de­bate por Je­ró­nimo de Sousa tem a ver com a va­lo­ri­zação das longas car­reiras con­tri­bu­tivas. É co­nhe­cida a po­sição do PCP de que os tra­ba­lha­dores com 40 ou mais anos de des­contos devem poder aceder à re­forma sem pe­na­li­za­ções.
Tendo as­su­mido o com­pro­misso de apre­sentar pro­postas sobre a questão, o Go­verno já anun­ciou que mantém a pers­pec­tiva de con­cluir este pro­cesso em breve.
Daí que a pre­o­cu­pação do Se­cre­tário-geral do PCP neste de­bate tenha sido so­bre­tudo, como o pró­prio re­feriu, no sen­tido de alertar uma vez mais para a ne­ces­si­dade de que tais me­didas sejam in­cre­men­tadas o mais rá­pido pos­sível, uma vez que esta é uma res­posta que faz jus­tiça a «muitos mi­lhares de tra­ba­lha­dores que co­me­çaram a tra­ba­lhar cedo de­mais e têm di­reito a uma re­forma que há muito é me­re­cida».

Sem adi­antar no­vi­dades, An­tónio Costa ga­rantiu apenas que o Go­verno dará a este tema das «car­reiras longas» a «maior atenção».

O saque das co­mis­sões ban­cá­rias

Em foco no de­bate, pela mão do PCP, es­teve ainda a questão dos custos ex­ces­sivos su­por­tados por quem tem conta no banco.

Je­ró­nimo de Sousa in­surgiu-se no­me­a­da­mente contra o facto de es­tarem a ser co­bradas pelos bancos aos cli­entes co­mis­sões pelos «ser­viços mais ini­ma­gi­ná­veis».

«Pas­saram a co­brar a ma­nu­tenção de conta dos cli­entes, a emissão de che­ques, do cartão de cré­dito, as trans­fe­rên­cias ban­cá­rias, a ava­li­ação e pro­ces­sa­mento no cré­dito à ha­bi­tação, etc.», enu­merou, su­bli­nhando que o peso das co­mis­sões ban­cá­rias no pro­duto ban­cário passou de 10 por cento, em 1994, para 27,7 por cento, em 2015, ou seja, «só neste pe­ríodo as co­mis­sões ban­cá­rias co­bradas pelos bancos pas­saram de 448 mi­lhões de euros para 2,6 mil mi­lhões de euros».

«Es­tamos pe­rante um saque. Os bancos quase lu­cram mais com as co­mis­sões que co­bram do que com o seu ne­gócio prin­cipal que é vender fi­nan­ci­a­mento, em­prés­timos a par­ti­cu­lares e em­presas», in­dignou-se o líder co­mu­nista, que as­si­nalou que pe­rante este quadro as «pes­soas sentem-se in­de­fesas».

Con­si­derou por isso que tem de haver «um travão», de­fen­dendo que a banca «não pode nem deve con­ti­nuar a de­cidir sobre esta ma­téria nos termos em que o faz, porque são as pes­soas, as fa­mí­lias, que são du­ra­mente atin­gidas».

An­tónio Costa, de­pois de con­si­derar que se agiu tar­di­a­mente no re­forço dos «ins­tru­mentos re­gu­la­tó­rios», nas «exi­gência de rácio re­la­ti­va­mente ao ca­pital» e nas «prá­ticas pru­den­ciais na con­cessão de cré­dito», e de ad­mitir que muito do que hoje se dis­cute sobre o sis­tema ban­cário e fi­nan­ceiro «ainda é fruto desse am­bi­ente de des­re­gu­lação que existiu», de­fendeu que esta ma­téria «exige re­gu­lação», lem­brando, a pro­pó­sito, que há ini­ci­a­tivas le­gis­la­tivas na AR (uma, aliás, do PCP) e que está cons­ti­tuído um grupo de tra­balho que tem por ob­jec­tivo «con­tri­buir para que haja uma si­tu­ação que pro­teja os con­su­mi­dores», tendo si­mul­ta­ne­a­mente em conta a «ne­ces­si­dade de con­cluir o pro­cesso de con­so­li­dação e es­ta­bi­li­zação do nosso sis­tema fi­nan­ceiro».

E afir­mando que este pro­cesso tem de ser «tra­tado de forma in­te­grada», mos­trou-se con­fi­ante de que venha a ser fi­na­li­zado, por forma a obter «outra ca­pa­ci­dade de in­ter­venção re­la­ti­va­mente àquilo que deve ser o fu­turo do re­la­ci­o­na­mento e da pro­tecção dos cli­entes do sis­tema ban­cário».

Ma­jo­ração do abono de fa­mília

A me­recer a atenção de Je­ró­nimo de Sousa es­teve ainda uma questão re­la­ci­o­nada com o abono de fa­mília, de­sig­na­da­mente com essa me­dida im­por­tante que foi a ma­jo­ração dos seus mon­tantes apro­vada no OE para 2017.

Acon­tece, porém – e essa foi a questão co­lo­cada pelo Se­cre­tário-geral do PCP –, que as fa­mí­lias ainda não re­ce­beram o valor ac­tu­a­li­zado. «Na­tu­ral­mente que re­ce­berão os re­tro­ac­tivos, mas im­porta co­nhecer qual é a pers­pec­tiva do Go­verno re­la­ti­va­mente à pu­bli­cação do di­ploma que con­cre­tiza esta norma do OE», re­feriu o líder co­mu­nista.

Re­co­nhe­cendo que houve um atraso na pu­bli­cação da por­taria que re­gu­la­menta a ma­jo­ração, o chefe do Go­verno in­formou que já está neste mo­mento para pu­bli­cação na Casa da Moeda e terá efeitos re­tro­ac­tivos a 1 de Ja­neiro, o que sig­ni­fica que apesar do atraso nin­guém será pre­ju­di­cado re­la­ti­va­mente à pres­tação a que tinha di­reito desde o início do ano.




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